Wellington Torres, de casa
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Alimentar um animal de companhia, ao contrário do que muitos possam imaginar, demanda atenção redobrada e atendimento especializado. Por isso, profissionais que trabalham com nutrição animal necessitam estar a par de toda e qualquer novidade, sem deixar de lado, é claro, o aporte científico.
Na última semana, após matéria publicada pela equipe C&G VF (referente à cobertura de palestra), da qual a médica-veterinária e PhD em nutrição animal, Dra. Manuela Fischer, relata que a alimentação natural crua aumenta o risco de contaminação por bactérias, veterinários adeptos da iniciativa se manifestaram de maneira contrária. Tendo em vista a situação, os contatamos, já que sempre publicamos reportagens sobre diversos temas, em forma de debate ou, simplesmente, apresentando os pontos positivos ou negativos de cada assunto. No entanto, apenas um dos profissionais retornou o questionário enviado.
Vale ressaltar que a C&G VF abriga, em seu histórico, no portal de notícias diversas pautas sobre alimentação natural e, inclusive, uma reportagem de capa da revista impressa e on-line sobre AN cozida e crua, que por sinal foram abordadas das mais diferentes posições, possibilitando conhecimento amplo aos leitores.
Referente à alimentação animal, como explica a médica-veterinária Laura Machado Amorim, com pós-graduação em Dermatologia, Clínica Médica e Cirúrgica de Pequenos animais e especialização em Nutrição e Dietas Terapêuticas para Cães e Gatos, antes de tudo, é preciso se atentar à necessidade de suprir o requerimento energético diário, além de atender o consenso das recomendações diárias de macro e micronutrientes para a espécie, na faixa etária em questão.
“Existem diversas maneiras de se obter resultado, com ração, dietas naturais cozidas a dietas naturais cruas, com ou sem ossos. Mas, vale lembrar que cada uma requer uma proporção diferenciada de ingredientes e, consequentemente, exigirá uma suplementação específica, para que seja possível obter um cardápio balanceado adequadamente”, explica a profissional, ao reforçar que ofertar dietas naturais “nada mais é do que prover o que o animal precisa, seguindo um cardápio orientado por profissionais”.
Segundo ela, as dietas naturais cruas, por exemplo, são estudadas e colocadas em prática há muitos anos, por profissionais como Ian Billinghurst, que desenvolveu a modalidade BARF nos anos 80. “A ideia da iniciativa é simular a alimentação que carnívoros consomem há milênios na natureza”.
“Todas as dietas naturais são bastante ricas em umidade, fibras, aminoácidos e vitaminas em suas fontes naturais, ou seja, elas serão muito bem aproveitadas pelo organismo dos animais por conta da maior biodisponibilidade. Elas são menos inflamatórias, quando comparados a dietas comerciais, ricas em amido. Além disso, também são mais palatáveis, têm a textura e aroma mais agradável, mantendo o animal interessado pelo cardápio por muito mais tempo”, exemplifica a médica-veterinária.
Ainda de acordo com ela, as dietas cruas com ossos, além de todas as vantagens citadas anteriormente, também são ricas em enzimas, probióticos naturais, antioxidantes e ajudam a manter a saúde bucal, quando comparada a outras modalidades mais ricas em carboidrato. “Isso, sem falar de não ser necessário utilizar conservantes, aromatizantes, corantes e palatabilizantes artificiais”, destaca.
No entanto, o formato deve ser “preferencialmente”, como dito pela profissional, prescrito por médico-veterinários ou zootecnistas habilitados. “É preciso que o tutor seja orientado sobre a segurança na manipulação dos ingredientes crus, a realização do congelamento profilático – que serve para inibir o crescimento bacteriano e matar microrganismos patogênicos – e a respeito da segurança dos ossos presentes em algumas modalidades”, afirma.
Ossos na dieta
Referente à adesão de ossos nas dietas cruas, Laura explica que eles devem ser de tamanho e estrutura proporcional ao porte do animal e podem ser oferecidos de duas formas:
“Os ossos recreativos são ossos grandes e esponjosos, revestidos ainda por tecido conjuntivo e raspas de musculo, devem ser grandes o suficiente para não haver possibilidade de engolir nenhum fragmento grande e servem somente para roer, que é um hábito extremamente saudável para os cães, tanto na manutenção da saúde bucal, como na melhoria da saúde mental”, explica e complementa: “Já os ossos comestíveis ou ossos carnudos, são macios, flexíveis e podem ser mastigados brevemente e, então, engolidos”.
Contudo, como um alerta aos tutores, a médica-veterinária afirma que, para garantir a segurança durante o consumo, é imprescindível que os ossos, tantos os comestíveis quanto os recreativos, sejam oferecidos crus. “Durante o cozimento, há uma modificação estrutural dos ossos, que perdem fibras colágenas e se tornam muito quebradiços, propensos a estilhaçar e formar estruturas semelhantes a ‘farpas’, que podem perfurar, obstruir, rasgar e arranhar a mucosa do trato gastrointestinal”, alerta.
Laura também pontua que ossos, articulações e cartilagens são ricos em cálcio, fósforo, magnésio, colágeno, vitamina D. “Eles podem ser muito interessantes na dieta desde que oferecidos de maneira correta. Infelizmente, a maioria dos relatos de acidentes com ossos (que são muitos na Medicina Veterinária) é, quase sempre, de tutores que oferecem restos de ossos cozidos e não uma dieta bioapropriada crua rica em ossos”, aponta.
Dietas cruas x humanização
Como também foi pontuado pela médica-veterinária e PhD em nutrição animal, Dra. Manuela Fischer, os animais de companhia, em sua maioria, vivem num período do qual a humanização se tornou processo recorrente. Por isso, mudanças de dietas devem levar em consideração este cenário.
“Animais que passaram toda a vida consumindo dietas processadas precisam se adaptar, gradualmente, à alimentação natural, seja ela crua ou cozida. É bem comum ouvir relatos de pessoas que ofereceram alimentos naturais bruscamente para seus cães e tiveram resultados não muito agradáveis, como vômitos e diarreias, por exemplo”, observa Laura.
Segundo a entrevistada, isso acontece “porque o organismo precisa de um tempo para se adaptar ao novo cardápio, mais ou menos como acontece ao mudar a marca de ração”. “E isso é mais notável se o cardápio for muito diferente, estruturalmente, da modalidade de dieta anterior. Por exemplo, dietas naturais (cruas e cozidas) são mais ricas em fibras, umidade e gorduras saudáveis, mas tudo isso oferecido junto e bruscamente para quem não está acostumado, pode causar uma diarreia”, alerta a médica-veterinária, ao reforçar que um profissional experiente vai ensinar o tutor sobre como fazer a transição aos poucos, “para tudo correr bem”.
Manejo de proteínas animais
Perante o manejo das proteínas animais, Laura Machado Amorim pontua que, carnes e ovos crus, por exemplo, podem ser contaminados por Salmonella, Listeria, e outros tipos de bactérias, assim como por vermes e protozoários e, ainda assim, suas vantagens superam grandemente os riscos”.
“Cães e gatos são anatômica e fisiologicamente preparados para comer dietas ricas em proteínas na sua forma natural e têm a mucosa intestinal preparada para lidar com possíveis agentes patogênicos, diferente do que aconteceria no trato gastrointestinal humano”, explica.
De acordo com ela, a Salmonella por exemplo, pode ser encontrada no trato gastrointestinal de cães e gatos que não consomem dietas cruas, originárias do ambiente, água, petiscos comerciais e ração. “É incomum que haja infecção (doença) causada por esses agentes etiológicos nos cães e gatos – basicamente, as bactérias passam intactas pelo trato gastrointestinal e saem nas fezes, ou são mortas durante a digestão”, afirma.
Em contrapartida, ponto também abordado por Manuela Fischer, Laura conta que para minimizar os riscos de infecção em humanos, “é necessário ter cuidado durante a manipulação das carnes cruas – bem como se faz necessário esse tipo de cuidado na cozinha, no preparo da nossa comida”.
“É necessário ter higiene após a manipulação das fezes, como qualquer outro animal. Outros cuidados na segurança alimentar incluem: comprar carnes de locais seguros, inspecionados e com qualidade adequada para consumo humano, além de realizar o congelamento profilático (que varia de acordo com cada espécie e serve para inativar ou matar possíveis protozoários e vermes”, explica a médica-veterinária.
Papo com tutores
Para os tutores que possam não se sentir confortáveis com o formato, Laura conta que existe literatura de fácil acesso em sites e livros e que também, os mesmos, possuem em outras opções disponíveis.
“Também prescrevo dietas cozidas, dietas mistas, dietas tradicionais a base de ração comercial, mas enriquecidas com probióticos e nutracêuticos. Existem dietas diferentes e que podem se adaptar a todo tipo de tutor. Por isso, acho essencial o acompanhamento de um profissional para orientar adequadamente e escolher a melhor modalidade para o perfil de tutor e para o animal em questão”, afirma a médica-veterinária.
Ainda segundo ela, “não existe nada 100% seguro, tudo tem vantagens e desvantagens e a ração não está livre disso”. “Comida processada é feita para ser uma praticidade. Com certeza, é melhor dar uma ração do que deixar o animal morrer de fome ou oferecer restos de comida sem nenhum tipo de orientação. Mas ela não é e não deve ser encarada como a melhor opção do ponto de vista nutricional”, reforça.
Para ela, sempre vai existir um nicho de tutor que quer se dedicar, aprender e fazer o máximo pela alimentação e bem-estar do animal. “Por isso, é papel do médico-veterinário e do zootecnista saber orientar adequadamente o cliente para que ele faça isso do jeito certo”.
“Não gosto de demonizar nenhum tipo de alimento, nem mesmo os ultraprocessados, como a ração. Mas acho que cada caso é um caso e, desde que feito de forma correta, qualquer modalidade de dieta pode ser extremamente proveitosa”, finaliza a médica-veterinária.
Recado equipe C&G VF
Em contrapartida ao período de desinformação, haverá outros conteúdos aqui no portal e em nossa página do Instagram sobre o tema, com diversos outros profissionais, fiquem ligados!