Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
Todas as células do corpo, seja ele humano ou animal, possuem capacidade de resposta adaptativa aos estímulos que recebe. Esses estímulos são: hipertrofia (aumento da célula), atrofia (redução da célula), neoplasia (alteração negativa da célula) e hiperplasia, que é um aumento em quantidade das células normais.
Com esta parte elucidada, agora, a médica-veterinária, mestre em Ciência Animal, com pesquisa desenvolvida sobre Hiperplasia Fibroepitelial Mamária Felina, Evelynne Hildegard Marques de Melo, nos explica que, no caso da hiperplasia mamária, nosso tema central desta reportagem, ocorre a expansão das mamas (aumento de tamanho das mamas).
“No caso específico das gatas, as documentações em literatura científica esclarecem que hiperplasias mamárias ocorrem em resposta (após estímulo) do hormônio progesterona, que pode ser endógeno (produzido em níveis elevados pela própria gata, por exemplo, na puberdade ou na gestação) ou somado ao estímulo exógeno (quando aplicados hormônios à base de progesterona disponíveis comercialmente como fármacos inibidores de cio e, mais raramente, utilizados nos tratamentos dermatológicos e comportamentais)”, explica.
Esses fármacos à base de progesterona, segundo Evelynne, normalmente, são administrados nas gatas pelo objetivo de inibição de cio, que é a indicação dos fabricantes, porém, muitos tutores de cadelas e de gatas aplicam (sem apoio e sem orientação veterinária, uma vez que não há exigência de receita prescrita para compra deste fármaco no Brasil), com a ingênua intenção de controlar nascimento de crias indesejadas. “Dificuldades dos tutores em reconhecerem o momento (fase hormonal) exata em que as gatas se encontram, resultam em administrações destes fármacos em momentos inadequados, quando o somatório da produção endógena natural com o fármaco concentrado das injeções culmina em hiperplasias mamárias, muitas vezes, com apresentação de gigantismo mamário. Esse quadro traz complicações severas associadas, como ruptura da pele das mamas, ulceração, inflamação, necrose da superfície do tecido mamário exposto, além de ampliar o risco de infecção secundária e óbito”, discorre.
Como prevenir o problema?
Seja por prevenção de crias indesejadas ou prevenção de hiperplasias mamárias, Evelynne garante que a melhor opção é a castração. “O procedimento de castração é o tratamento de eleição e eficaz para as hiperplasias mamárias para tratamento das hiperplasias. Uma vez já desenvolvidas nas gatas, a solução eficaz que cura e, também, impede o retorno da doença é a castração, porque remove-se a fonte principal de progesterona, que são os ovários”, indica.
No entanto, há relatos de ocorrências de hiperplasias mamárias em gatas já castradas. Sobre este ponto, a médica-veterinária comenta que elas podem acontecer por dois fatores: “Devido à presença de ovários remanescentes, ou seja, durante uma cirurgia de castração, os ovários não foram extraídos por completo e algum fragmento deste órgão permaneceu na gata, com sua função ativa de produção de progesterona. Nestes casos, recomendamos ultrassonografia para tentar observar a permanência de ovários e é preciso refazer a cirurgia com o objetivo de remoção completa ovariana. O segundo fator é que as hiperplasias mamárias que ficam em crescimento persistente, mesmo após a cirurgia de castração, são comuns em gatas que receberam fármacos hormonais à base de progesterona injetável, inibidores de cio – as populares ‘vacina anti-cio’, porque estes fármacos têm ação chamada de ‘depósito’ e sua atuação pode durar meses. Dessa forma, trata-se de um efeito residual do fármaco que mantém o crescimento mamário em sinergia com outros hormônios que produz um sítio ativo hormonal mamário e não mais por conta exclusiva da progesterona ovariana”, revela.
A profissional relata que, nos casos das hiperplasias mamárias em gatas que se apresentam com crescimento persistente após a castração (após a remoção completa dos ovários), ocorre como efeito do somatório de progesterona (endógeno + exógeno) ou devido exclusivamente à aplicação de injetáveis “anti-cio”. “A persistência do crescimento mamário ocorre por uma ação sinérgica dos hormônios GH + IGF-1 + IGFBP3, nas mamas das gatas, que proporciona síntese de progesterona local, o que proporciona proliferação celular exuberante em algumas gatas. Contudo quero lembrar que esse persistente crescimento mamário na gata castrada é auto limitante, embora agressivo, representando a forma complexa da doença e resultando em demora para a redução mamária ao seu estado fisiológico, a contar da data da castração”, destaca.
Este quadro foi observado por Evelynne em um estudo com 79 gatas no curso de mestrado. “Foi possível medir os limites da expansão mamária e quantificar o tempo de involução/regressão mamária (nos casos de hiperplasia endógena ‘não complicada’ e nos casos exógenos ‘forma complicada’). Nestes casos, do crescimento persistente mesmo após a castração, para frear o crescimento mamário, um bom adjuvante é aplicar, logo após a esterilização, um bloqueador de progesterona”, sugere.
Orientação veterinária
Evelynne afirma que, embora o acompanhamento veterinário seja essencial em qualquer doença, especificamente nesta, a observação do paciente muda tudo. “Podemos dizer que é imprescindível a presença do médico-veterinário desde a decisão de utilizar o fármaco à base de progesterona ‘inibidor de cio’ (potencial facilitador das hiperplasias mamárias) até o acompanhamento clínico para garantir a cura da doença”, sublinha.
Essa questão é importante porque lembra duas situações reais no Brasil, narradas pela profissional: “Primeiramente, gatas doentes com hiperplasias mamárias por terem recebido o hormônio ‘inibidor de cio’ sem acompanhamento veterinário (comprado livremente e administrado pelos próprios tutores e, às vezes, até por comerciantes balconistas em lojas agropecuárias), sendo uma difícil realidade que envolve, em maioria, pessoas com baixo poder financeiro que, justamente, optam pelo uso das ‘vacinas-anti-cio’ (R$3,00) por não terem condições financeiras para custear cirurgias de castração (entre R$200,00 até R$ 1.000,00)”, observa.
Essa situação, de acordo com a veterinária, se repete frequentemente no Brasil e, de fato, é um assunto sério, onde praticamente o adoecimento dos animais é produzido e depois as pessoas não têm condições de oferecer a assistência veterinária. “Assim, o acompanhamento veterinário, muitas vezes, não acontece. Isso deveria estar sendo prevenido”, opina.
O segundo ponto citado pela profissional são as gatas cujos tutores têm condições de custear acompanhamento e tratamento veterinário. “Isso muda tudo! Pois terão orientação e condições de instituir. Nosso trabalho no mestrado com hiperplasia mamária mostrou que a castração isolada (e cuidados de feridas cutâneas nas mamas acometidas, quando houver) é terapêutica suficiente para o retorno fisiológico mamário. Ou seja, cura a doença e permite que as mamas voltem ao normal. Mas precisamos de acompanhamento clínico observando as gatas a cada 10 dias após a castração, o que nos permite saber se estamos diante de um caso que declina/involui as mamas ou apresenta expansão/aumento mamário. O parâmetro de observação a cada 10 dias é crucial. A persistência de crescimento pode durar, em média, 21 dias e, depois disso, ocorre auto redução/involução mamária.
Para isso, Evelynne destaca que a importância dos estudos ao nível de mestrado e doutorado está nas descobertas que permite os médicos-veterinários, justamente, ajudar mais nas rotinas do cotidiano clínico. “Isso colabora para uma previsibilidade das ocorrências; contribui para uma boa comunicação entre nós, veterinários, e os tutores das gatas que foram castradas apresentando hiperplasias mamárias e com o histórico do uso das ‘vacinas anti-cio’”, pondera a profissional que adiciona: “Como produto do nosso trabalho de mestrado, produzimos um planograma de abordagem dessas gatas, desde a consulta inicial, passando pelas as escolhas das tomadas de decisão dos veterinários, até a cura, com retorno fisiológico mamário (excluindo totalmente a opção de mastectomia, sobretudo pelo risco de trombose pós cirúrgica seguido de óbito, devido à presença de muito tecido necrótico nos casos da doença exuberante e complicada)”.
Apesar de todos esses relatos de casos que ainda podem ocorrer após a cirurgia, Evelynne recomenda que os tutores escolham a castração como forma de prevenção, porque, de fato, é a opção mais eficaz. “Castração significa remover a principal fonte (ovários) de hormônio que ocasiona a doença hiperplasia mamária e evita recidiva (que a doença retorne após a cura). Castração é prevenção e é, também, o tratamento. No caso do tratamento das hiperplasias por meio da castração, o fator que facilitará ou fará demorar a curar, está no histórico do animal sobre ‘uso ou não uso’ dos fármacos à base de progesterona ‘inibidores de cio’. No caso onde a gata recebeu a injeção ‘anti-cio’, o retorno das mamas ao estado normal será mais demorado a contar da data da castração, mas tudo voltará ao normal. Quantificamos, em média, 90 dias até o retorno mamário ao seu estado normal nestes casos”, encerra.
A profissional aproveita para avisar que estará apresentando um trabalho sobre os limites do persistente crescimento mamário após a castração durante o Congresso Brasileiro da Anclivepa (CBA), que ocorre de 25 a 27 de maio, em Maceió (AL).