Cláudia Guimarães, da redação
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Em casa, quando sozinho e na tentativa de realização de um sonho pessoal, ele vestia as roupas de sua irmã e se olhava no espelho. Talvez, tentasse enxergar algo além do que estava vendo, seu “verdadeiro eu”. Apesar disso, na infância, era muito imaturo e infantil e, por isso, não tinha noção sobre identidade de gênero. Ele se transformou, ou melhor dizendo, se declarou “ela”. Estamos falando de Gisele Castro Menezes.
Essa mulher forte, que enfrentou inúmeros preconceitos e barreiras para poder ser o que, realmente, é, se transformou em Mestre e Doutora, médica-veterinária e Professora Adjunto II de Patologia Veterinária I e II e Oncologia Animal, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB, João Pessoa/PB).
A profissional relembra que descobriu que aquele corpo não era seu durante a adolescência, com a chegada dos hormônios e, ao tentar se adequar às suas expectativas e orientação sexual, sua relação familiar foi abalada. “Quando assumi minha identidade feminina, todos estranharam, pois ainda não tinham precedentes na família e viam essa atitude como algo muito estranho. Minha mãe sempre me aceitou, de acordo com suas limitações, porém, meu pai nunca concordou com a transexualidade. Dizia que eu poderia até ser homossexual, desde que me vestisse e me comportasse como homem. Desde que assumi minha identidade feminina, ele não fala mais comigo”, compartilha.
Trans e docente. Na visão de Gisele, a importância de cada vez mais as instituições de ensino contarem com transexuais como docentes consiste em um objetivo: para que ninguém julgue as pessoas por sua orientação sexual, mas, sim, pelo seu caráter como pessoa e pela sua competência enquanto profissional. “Não costumamos ver transexuais no comércio, nas lojas, nos shoppings. Isso porque a sociedade ainda traça um estereótipo marginalizado das trans, sempre ligado à prostituição, drogas e brigas. Porém, essa imagem preconceituosa deve ser combatida e é isso que tento fazer, divulgando o trabalho de uma transexual doutora e incentivando minhas amigas mulheres transexuais a seguirem esse caminho. Muitas trans se qualificam, concluem cursos e graduações, porém, não conseguem inserção no mercado de trabalho, pois quase não existe, no Brasil, políticas públicas de inclusão social e educacional para esse público marginalizado. Tenho amigas que passam por isso e acompanho essa triste realidade de perto”, denuncia.
A professora ainda acredita que seu biotipo de mulher se encaixa no padrão que a sociedade aceita e que, talvez, por isso, nunca sofreu nenhum tipo de preconceito, nem de natureza psicológica, nem física. “Sou uma mulher branca, loira, magra, feminina, sem barba no rosto e que usa roupas discretas. Não sou assim para me encaixar nesse estereótipo conservador, mas, sim, porque gosto de ser assim, é o meu jeito. Por isso, apesar de morar em uma cidade pequena e tradicional no interior da Paraíba, nunca sofri preconceitos na rua”, comenta.
Ela também atrela à ausência de represálias o fato de ser professora e doutora: “Algumas pessoas aceitam mais uma transexual quando ela se destaca em alguma profissão ou tem destaque social. Essas pessoas entendem que, antes de ser transexual, sou doutora e professora de uma universidade e, na cabeça delas, isso traz prestígio, amenizando, assim, o preconceito. Tenho amigas que seu jeito não se encaixa nesse padrão que a sociedade determina e, por isso, sofrem muita transfobia com violência física e psicológica”, lamenta. Entretanto, Gisele menciona que ainda sofre muito assédio sexual. “Infelizmente, a imagem das transexuais ainda é vinculada à prostituição e ao sexo fácil, onde o respeito ainda está longe de ser alcançado”, adiciona.
Vida pessoal. Relacionamento também é um tema bastante conturbado para as transexuais, de acordo com Gisele. “É muito difícil um homem assumir um relacionamento sério e querer constituir família com uma mulher transexual”, alega. Eles, segundo ela, têm medo do julgamento da família, dos amigos e da sociedade como um todo e sempre escolhem um relacionamento escondido. “Por isso, a maioria das transexuais não gosta de namorar, pois consideram essa relação às escuras abusiva. Eu tive dois namorados e a história se repetiu com todos eles: era uma relação escondida e com medos. Cheios de dúvidas e incertezas, a maioria dos homens que namora uma transexual vive um relacionamento ‘aberto’, firmando romances paralelos com mulheres cis, ou seja, mulheres desde o nascimento”, insere.
Outro tópico que precisa atravessar adversidades para se concretizar, como conta Gisele, é a questão do nome no Registro Civil. “As pessoas te conhecem há anos pelo nome próprio e essa mudança gera muitos conflitos. Se, por um lado existe a grande dificuldade das pessoas em te chamar por um nome novo, por outro, existe a objeção das trans em aceitar o nome de registro”, sinaliza.
As resoluções nacionais e estaduais que garantem a utilização do nome social foram de grande valia, na visão de Gisele. “Porém, na prática, elas não funcionam muito, pois, além das pessoas não conhecerem esse direito, ainda não respeitam. Recentemente, tivemos um grande avanço a respeito da retificação do Registro Civil, pois, até agosto de 2018, deveríamos entrar com processo na Justiça, extremamente burocrático, demorado e cansativo, exigindo testemunhas e comprovações médicas”, destaca.
A partir de agosto de 2018, conforme mencionado pela veterinária, houve uma grande mudança para desburocratizar o processo, permitindo a mudança em cartório. “No meu caso, por exemplo, o processo foi assim e demorou apenas uma semana. Atualmente, já possuo minha certidão de nascimento com o nome de mulher, bem como meu gênero como feminino, refletindo nos demais documentos de identificação”, cita.
Essas conquistas descritas no texto, Gisele já possui, bem como o fato de ser pioneira no tema ‘transexual dentro de universidades’, no Estado da Paraíba, apesar de não considerar este fato como relevante. Agora, ela segue em uma nova luta: “Quero ser um exemplo para a sociedade e, também, pera as outras transexuais enquanto docente doutora”, finaliza.