Cláudia Guimarães, da redação
claudia@ciasullieditores.com.br
Muitas vezes, o diagnóstico de algum problema de saúde pode virar nossas cabeças para baixo. Quando é com nossos animais de estimação, então, a preocupação aumenta, já que muitos são considerados filhos, por conta de todo carinho e dedicação entregues a eles. Quando a confirmação do câncer vem, alguns tutores podem considerar um atestado de óbito, mas a Medicina Veterinária e seus recursos estão avançados o suficiente para provar o contrário. Esse é o nosso foco nessa reportagem especial do Dia Mundial de Combate ao Câncer.
Como comentado pelo médico-veterinário que atua na área de Oncologia, professor de pós-graduação da Faculdade Qualittas, Eduardo Alexandre Brocoletti, hoje em dia, há vários tratamentos à disposição para tratamento de pacientes oncológicos, algo que não se tinha há 30 anos, por exemplo. “Além de cirurgias e quimioterapia, contamos também com: radioterapia, criocirurgia, eletroquimioterapia, imunoterapia e terapia-alvo, além de várias modalidades de quimioterapias e de novos medicamentos. Também não podemos esquecer-nos do avanço dos tratamentos paliativos e dos novos métodos de diagnóstico, lembrando que os tratamentos na oncologia são individualizados, tanto os de quimioterapia, quanto os paliativos”, menciona.
Ele explica que a quimioterapia em pets é realizada e guiada, primeiramente, por um diagnóstico estabelecido por meio de exames de citologia, histopatológico e Imunoistoquímica, sendo o primeiro, na maioria das vezes, realizado como método de triagem. “Já a Imunoistoquímica é um tipo de exame mais específico para o diagnóstico e prognóstico do tumor. É impossível iniciar um protocolo de quimioterapia sem esses exames e sem os exames complementares de estadiamento clínico, como por exemplo: raio x do tórax, sempre contando com três posicionamentos, ultrassom abdominal, exames hematológicos e bioquímicos, às vezes, sendo preciso exames mais específicos como tomografia, eletrocardiografia, entre outros”, cita.
Com todos esses resultados em mãos, Brocoletti destaca que cabe ao médico-veterinário oncologista fazer a escolha do protocolo mais adequado não só para tratamento do tumor, mas, também, para seu paciente, sempre levando em conta idade, histórico do paciente comorbidades e a aceitação do tutor. “Esse deve estar disposto a arcar com o tratamento completo, assim como deve ser esclarecido completamente quanto às dúvidas, o que pode acontecer, o que esperar do tratamento, vias de administração e tratamentos que acompanham a quimioterapia”, orienta.
Isso porque, segundo o profissional, estando o tutor de acordo, é a hora de iniciar a quimioterapia. “Antes da medicação quimioterápica, deve ser feito – e pedido ao tutor para ser ministrado durante todo protocolo quimioterápico – um tratamento suporte que contém: estimulantes de imunidade, medicações antiéticas, probióticos para flora intestinal todos esses para que o paciente suporte o melhor possível e que não tenha sua qualidade de vida alterada”, elenca.
O procedimento de quimioterapia, segundo o veterinário, engloba, hoje, uma quantidade razoável de medicamentos, em sua maioria de uso humano adaptado para o uso em pets. “Porém, com o aumento exponencial desse mercado, já existem, principalmente, nos EUA, vários lançamentos de medicamentos voltados a pacientes oncológicos veterinários. Mas, como foi dito anteriormente, para nós, aqui no Brasil, ainda está um pouco distante. Por isso, tentamos e, muitas vezes, conseguimos fazer o melhor com o que temos em mãos”, opina.
Como já mencionado pelo profissional, é preciso avaliar muito bem o paciente e fazer o estadiamento clínico correto antes da implantação de qualquer protocolo. “No entanto, com as modalidades que tenho de quimioterapia, eu não diria que 100% dos casos tem indicação desse tipo de procedimento, mas a maioria tem indicação de algum dos tipos de protocolo quimioterápico que temos à disposição, já que, hoje, não temos somente os protocolos conhecidos como terapêuticos ou adjuvantes, que são os mais utilizados, a primeira utilizada em tratamentos mais longos como linfomas a segundas normalmente feitas após cirurgias. Temos, também, uma modalidade conhecida como quimioterapia metronômica, onde utilizamos quimioterápicos por via oral em pequenas frações, feita várias vezes na semana”, revela.
O profissional explica que essa modalidade pode ser empregada em pacientes onde os exames e o estado geral não se enquadram para um tratamento quimioterápico mais agressivo ou, então, pelo fato de o próprio tutor não concordar com essas modalidades mais agressivas de tratamento e optar por este caminho. “Temos sempre que explicar muito bem ao tutor sobre a modalidade e o que esperamos dela antes de implementarmos”, reforça.
Tratamento e reações
Como lembra Brocoletti, os tutores têm muito medo das reações adversas causadas pelos quimioterápicos, porque, na maioria das vezes, muitos já tiveram contato com a doença e também com o tratamento em seus entes queridos, em algum outro pet ou eles mesmos tiveram ou presenciaram distúrbios gastrointestinais, imunossupressão mais severa e outras reações. “Eu estaria mentindo se dissesse que, em nossos pacientes, não podem ocorrer esses tipos de reações, porém as observamos mais raramente. Estudos indicam que 10% ou menos dos pacientes apresentam efeitos colaterais”, aponta.
Brocoletti observa que, quando um ser humano recebe a notícia de que está com câncer, já perde 50% da sua vida por ficar pensando não só os efeitos da doença, mas – e o que é pior – nos efeitos do tratamento, podendo sofrer efeitos pseudosomáticos e ter todas as piores reações adversas. “Tenho um caso na família, onde um parente próximo encarou a doença de uma maneira inusitada, como se fosse uma doença normal e, após 8 horas de cirurgia, onde foi retirada uma grande porção de tecido em cabeça, pescoço e parte óssea, e após várias sessões de quimioterapia enfrentadas com muito riso e otimismo, ficou bem. Oito anos depois, ele está livre da doença e fazendo suas atividades normais. Será que se ele encarasse como uma sentença de morte o resultado final seria esse?”, indaga.
O profissional compara a situação e força de vontade com cães e gatos diagnosticados com algum tipo de câncer: “Será que eles ficariam deprimidos ou será que muitos continuariam latindo, ronronando e abanando o rabo, já que, muitas vezes, eles não apresentam sintomatologia? Então, o que eu considero ideal para a quebra desse estigma do tutor é que sejamos sempre muito sinceros, claros e que devemos falar a língua que o tutor entende. É sempre bom lembrar que termos técnicos servem para conversarmos entre colegas e não com pessoas leigas, que estão em um momento difícil e que precisam de clareza, sinceridade e conforto”, recomenda.
Mas, já que a quimioterapia pode, sim, causar alguns efeitos indesejados e até graves, principalmente se o paciente não for estadiado e monitorado corretamente, o veterinário menciona alguns deles: são choque anafilático, cardiopatias (miocardiopatia), nefropatias (problemas renais) e hepatopatias (problemas hepáticos) e imunossupressão grave. “Enquanto os efeitos mais leves passam por: quedas de pelo, vômitos e diarreia. Todos esses podem ser controlados com tratamento suporte. Por isso, é importante procurar um profissional especializado, fazer os exames pré e pós quimioterapia e todo o suporte orientado pelo veterinário oncologista. Tudo que é feito de forma correta minimiza essas reações”, frisa.
Relação veterinário-animal-tutor
Na visão do profissional, a grande importância do tutor em optar por esse tipo de tratamento é de dar uma chance ao seu pet e manter ou melhorar sua qualidade de vida, chegando a aumentar o tempo de vida do animal. “Sempre que não tivermos um tratamento que tenha um feedback aceitável, é possível modificar ou até trocar esse protocolo na esperança de que o paciente se adapte melhor”, lembra.
Mas, apesar das inúmeras possibilidades terapêuticas para pacientes oncológicos, Brocoletti afirma que, infelizmente, ainda não se fala em cura para os tutores, mas, sim, no ganho de qualidade de vida e em uma extensão saudável da mesma. “Isso sim, muitas vezes, é possível, tendo a quimioterapia como grande aliada, desde que essa seja utilizada de forma correta”, declara.
Entre muitos casos por ele atendidos, o veterinário destaca a Branquela, uma paciente com adenocarcinoma em plano nasal, onde não foi possível uma abordagem cirúrgica, pois a mesma já tinha sido feita anteriormente de forma equivocada. “Demos uma sobrevida de 1 ano para ela. Temos, também, o caso da Zizica, uma paciente com 18 anos e com melanoma oral retirado cirurgicamente para conforto e que foi submetida a quimioterapia adjuvante. Hoje, está com 20 anos”, comemora.
Porém, o profissional diz que nem todos respondem da mesma forma e alguns acabam por não ter o mesmo desfecho positivo. “O importante é que temos que estabelecer uma tríade, contando com nosso tratamento, a resposta do nosso paciente e com a colaboração do tutor. Se tivermos isso, o aumento do índice de sucesso é muito grande”, garante.
Brocoletti acredita que o mais importante é tratar o paciente como um todo. “Ao invés do que muitas vezes acontece, onde se trata o tumor sem se importar com o paciente. Outra coisa que temos que ter e o bom senso é saber que nem sempre o tratamento impresso no livro é o melhor tratamento para o nosso paciente. Eles são únicos e, por isso, o tratamento deve ser individualizado. Por último, sempre lembrarmos que nossos pacientes são o amor da vida de alguém e, baseado nisso, cada um tem sua história e sua vivência em família, que deve ser respeitada e levada em conta na escolha do tratamento. Quanto ao tutor, pare de estigmar a quimioterapia! Ela é um aliado muito forte no tratamento do câncer e não a vilã da história”, encerra.