Cláudia Guimarães, em casa
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Uma pequena cápsula, do tamanho de um grão de arroz, é capaz de armazenar informações importantes. Estou falando do microchip para animais, um dispositivo eletrônico que carrega um sistema onde se registra dado numérico (um código), utilizado como identificação do animal por meio de um registro onde se associam dados dos seus tutores e dados do animal que recebeu o microchip.
A médica-veterinária pesquisadora, com mestrado profissional com ênfase em Saúde Pública com cães e gatos, Evelynne Hildegard Marques de Melo, informa que esse dispositivo é produzido com um biomaterial que se adapta aos tecidos orgânicos e fica localizado no lugar onde foi implantado. “A aplicação é feita como uma injeção. O microchip é introduzido numa espécie de seringa ou aplicador (específica para aplicar o microchip) que funciona como uma injeção subcutânea (abaixo da pele) e deve ser feita por médico-veterinário”, relata a profissional.
Vantagens para a Saúde Pública
Segundo Evelynne, com o microchip é possível vincular oficialmente o animal ao seu tutor, identificando um responsável legal pelo animal. “A microchipagem adotada como estratégia de gestão pública, por exemplo, facilita o encontro do animal que se perder de seu tutor, colabora para a pessoa exercer uma posse responsável do animal, uma vez que ela passa a ter com a vinculação de seus dados ao animal, uma responsabilidade a ser mantida com a criação do seu cão ou do seu gato”, enumera.
A veterinária conta que concluiu sua faculdade na Universidade do Porto-Portugal e trabalhou com esse sistema. “Pude ver de perto a responsabilidade da gestão pública em implantar a microchipagem de cães e gatos com vistas a garantir uma posse responsável das pessoas sobre os seus animais e garantir além de regras na criação, a vacinação contra a raiva, uma vez que a vacina antirrábica é obrigatória a ser aplicada junto com o microchip, pois é assim a regra naquele País. Só vacina contra a raiva quem implantar o microchip e só implanta o microchip em animais com a vacina contra a raiva. As pessoas, por sua vez, são instruídas a exercer a responsabilidade com a criação por saberem que o estado aplica multas pesadas quando há o descumprimento de regras definas no País, como por exemplo não é permitido a circulação de cães livres desacompanhados de seus donos nas vias públicas. Caso aconteça, o animal será recolhido e muitos países na Europa investem em ambientes de recolha animal, onde o tutor é identificado rapidamente pelo leitor de microchip e além, de receber multa, ao reaver ao animal, deve pagar os custos com o tempo em que o animal passou no abrigo (exemplo dessa política é a Espanha)”, narra.
Práticas como essa, na visão da profissional, inibem o abandono. “Há trabalhos de pesquisa em Medicina Veterinária internacionais que nos mostram que a melhor maneira de vincular responsabilidade às pessoas que criam cães e gatos é com o microchip. Um País exemplo também é Itália, onde a lei que obriga a microchipagem é de 1997”, aponta.
Qual o valor médio?
De acordo com Evelynne, atualmente, o Brasil oferece este serviço como uma opção aos tutores de cães e gatos e que pode ser acessado em algumas clínicas particulares, contudo o objetivo é apenas o de permitir encontrar o animal em caso de perdê-lo. “Não é ainda uma estratégia pública de gestão sobre a posse responsável tal como em vários outros países. O Brasil tem como política federal obrigatória a microchipagem de cães e gatos que necessitam da emissão do passaporte pet pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento-MAPA, para as situações em que os animais vão sair do Brasil. Algumas unidades da federação possui lei que obriga a implantação de microchip em filhotes comercializados, por exemplo o estado de São Paulo”, menciona.
Uma pesquisa rápida e logo observamos que há serviço de microchipagem no Brasil entre R$50,00 e R$100,00. “Além disso, é possível encontrar uma caixa contendo até 10 unidades (aplicador e microchip) por R$ 150,00 para serem utilizados por um médico-veterinário. Na Europa observamos que custa em média 10 euros, que, embora seja uma política pública, é uma obrigação do cidadão e o mesmo deve custear a microchipagem. A exemplo, neste mês de Julho de 2021, a campanha da vacinação contra a raiva em Portugal, definiu o valor de 12 euros para a vacina junto com a microchipagem e ainda tem o cartão sanitário do animal (que, naquele País, também é documento do animal unificado), em que o cidadão paga 1 euro”, elucida.
Após implantado o chip no pet, a profissional conta que a leitura é realizada por meio de um equipamento chamado de “leitor digital”. “É uma pequena máquina que, ao ser aproximada do local onde o microchip está implantado, emite um sinal sonoro e possui um visor digital onde aparecerá o código numérico único que identifica aquele animal. Nem todas as clínicas possuem leitores de microchip, pois não é uma condição comum no Brasil e nem é obrigatória, tal como em outros países”, adiciona.
Projeto de Lei
O Projeto de Lei (PL) 2359/2021, do Deputado federal Marx Beltrão, foi aprovado e já está tramitando na Câmara dos Deputados. O objetivo é que o Registro Geral de Caninos e Felinos Domésticos do Brasil (RGCAFE-BR), seja disponibilizado pelo Governo Federal em todo o território nacional, com a meta de fortalecer o vínculo de responsabilidade entre tutor e animal e aumentar a segurança sanitária por meio de controle mais eficaz da raiva e outras zoonoses.
Para Evelynne, com a aprovação do PL, o País passa a ter um controle nacional, com uma central de dados unificando os Estados com seus municípios, o que, hoje, não acontece. “Atualmente, um Estado possui lei e o Estado vizinho não possui, assim como os animais são migratórios e dificulta o controle intermunicipal e, até mesmo, o controle de animais que viajam com seus tutores e são deixados em outros Estados” também é importante deixar claro que essa proposta legislativa deve vir aliada a proposta de educação ambiental, afinal o cidadão vai precisar entender sua adequação e sua responsabilidade no processo”, argumenta.
Ela frisa que o Brasil não possui e não exerce um controle, de fato, sobre a criação de cães e gatos, pois não há regras legais estabelecidas para isso ainda. “Se observarmos na Europa, além de cada País possuir sua legislação obrigando microchipagem como algo básico para a posse responsável e para o controle sanitário, a União Europeia possui base de dados unificada onde é possível identificar de onde veio um cão que, eventualmente, fora encontrado vagando sozinho nas vias públicas de alguma cidade. Durante meu estágio no Hospital da Universidade do Porto, acompanhei um caso assim: um cão labrador que foi encontrado por uma pessoa e ele tinha um microchip identificado na base de dados, que era pertencente a outro País”, lembra.
A aprovação desse PL proporciona uma atualização legislativa importante, segundo a veterinária, já que o Brasil considera, agora, o abandono um crime passível de prisão de reclusão e, desse modo, necessita atualizar as legislações. “Tal como em outros países onde se decidiu legalmente que abandono é crime, o País cria instrumento de garantir a responsabilidade do cidadão sobre o animal. O cidadão passa a ser identificado legalmente como o infrator da posse irresponsável e do abandono. Até o momento, para configurar que a pessoa abandonou o animal, aqui no Brasil, é necessário ver vídeos do ato do abandono, contudo, isso por si só não garante confirmar que o animal pertencia aquela pessoa que o abandonou (que levou uma caixa e o deixou numa calçada ou que abriu a porta do carro o deixou numa rua). Afinal, o Brasil não tem ainda esse instrumento legislativo de identificação animal formal legalizado. Com um microchip vinculando dados das pessoas, independentemente de onde o animal for encontrado, o Estado saberá de quem é a responsabilidade”, defende.
Para finalizar, a profissional comenta: “Muito se deseja, no Brasil, atingir o bem-estar animal, contudo, a todo momento, devemos lembrar que isso somente será possível por meio de política pública de posse responsável, pois nenhum animal estará seguro sem um tutor responsável e não deve ser uma prioridade da gestão pública traçar medidas de tratamento/curativas sem priorizar medidas profiláticas (castração, educação e regras de criação). A profilaxia inicia com responsabilidade do cidadão e, com o cidadão responsável, ganha o bem-estar animal”.