O lobo-guará – maior canídeo da América do Sul – não demonstra a timidez e o fato de ser praticamente inofensivo. O animal típico do Cerrado é considerado essencial para o ecossistema por dispersar sementes de plantas nativas pelas fezes e por caçar pequenos roedores, contribuindo para a conservação do bioma.
Como apenas 3% do habitat natural disponível para a espécie no Brasil está dentro de áreas protegidas, os animais acabam vivendo em áreas onde os encontros com humanos, veículos e máquinas agrícolas são comuns. Para integrar respostas comportamentais e fisiológicas e avançar no estudo do bem-estar do lobo-guará, o projeto de pesquisa The Rhythm of Life (O Ritmo da Vida), coordenado pela docente do Programa de Pós-Graduação em Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rosana Nogueira de Moraes, realiza o monitoramento da frequência cardíaca da espécie no Smithsonian Conservation Biology Institute (SCBI), utilizando um dispositivo de apenas 2,4 g implantado sob a pele, próximo ao coração.
Os pesquisadores documentaram, de forma inédita, os parâmetros cardíacos naturais da espécie e identificaram as relações causais entre as mudanças na frequência cardíaca e fatores ambientais específicos que desencadeiam a ativação do sistema nervoso autônomo. A docente da UFPR aponta que os batimentos cardíacos aumentaram em resposta a pessoas, restrições, ruídos altos e interações sociais com outros lobos. “Nosso principal objetivo é nos tornarmos especialistas no uso dessa tecnologia, para que possamos aplicá-la na conservação de lobos-guará e outras espécies ameaçadas de extinção na natureza”, destaca Rosana.
O implante em lobos-guará criados em cativeiro é considerado seguro e com mínimo impacto à saúde dos animais. A nova abordagem metodológica utilizada forneceu as primeiras métricas dos ritmos cardíacos naturais para a espécie. Os dados coletados, publicados recentemente no artigo “Inside out: heart rate monitoring to advance the welfare and conservation of maned wolves”, revelaram uma ampla variação natural para a espécie, com diferenças de até 300 batimentos entre a frequência cardíaca mínima e máxima para um mesmo indivíduo.
Por outro lado, o estudo também apontou momentos de baixos batimentos durante ocasiões estressantes, o que pode ser a primeira documentação de “bradicardia de medo” para a espécie. “Fisiologicamente, quando os animais são impedidos de escapar quando sentem medo (por exemplo, contenção), a ativação pode ser seguida por ‘congelamento’”, descreve o artigo. Machos e fêmeas mostraram uma resposta bradicárdica durante o transporte de curta distância, identificado como muito estressantes para a vida selvagem. De acordo com a pesquisa, valores em torno de 30 bpm (batimentos por minuto) foram registrados durante o sono ou repouso, enquanto os altos valores estão ligados principalmente a eventos de estresse físico ou psicológico, como o ruído de cortadores de grama e de um canteiro de obras próximo, por exemplo.
Ao integrar os dados, a pesquisa também revelou que as respostas internas e externas dos animais nem sempre correspondem. Isso fica evidenciado quando indivíduos vistos como calmos podem ter uma forte ativação em resposta a uma ameaça percebida, sugerindo que as fontes de estresse podem ser subestimadas e comprometer a saúde de lobos-guará e da maioria das outras espécies de vida selvagem. Uma fonte adicional de estresse para um dos animais foi identificada em razão da coabitação forçada dentro do grupo familiar, apesar dos esforços para fornecer condições ideais de estrutura social natural em ambiente confinado. “Para os lobos-guará, o sistema social é disperso e os animais são em sua maioria solitários, embora os pais compartilhem a responsabilidade no cuidado da prole”, explicam os pesquisadores.
Centro de preservação nos Estados Unidos
Seis animais foram monitorados desde 2018. Em novembro de 2020, o grupo foi ampliado para permitir a comparação do efeito do sexo e da idade nos parâmetros cardíacos.
Os lobos estudados até agora estão alojados no SCBI – instituição americana com o maior número de indivíduos de lobos-guará participantes do Plano de Sobrevivência da Espécie (Species Survival Plan). “Entre os objetivos do plano está manter uma população geneticamente viável de lobos-guará para futura reintrodução, caso venha a ser necessário. Para tanto, essa população deve estar saudável e ter sucesso reprodutivo, fazendo com que o monitoramento de bem-estar desses animais seja parte integrante das atividades das instituições envolvidas”, comenta Rosana.
Atualmente, há 11 lobos implantados com monitores cardíacos no SCBI e os dispositivos devem permanecer funcionais e coletando dados por pelo menos dois anos. Mesmo com o sucesso da técnica de monitoramento, o estudo publicado concluiu que, para o uso rotineiro e em indivíduos de vida livre, ainda há a necessidade de desenvolver novas tecnologias que permitam o download remoto de dados para evitar a captura e contenção repetidas.
O estudo deve ser expandido com monitoramento no Brasil
Já na década de 1990, a docente teve acesso a técnicas de monitoramento endócrino não invasivo como a quantificação de hormônios em amostras de fezes ou urina, durante visitas técnicas ao SCBI, na época chamado Conservation and Research Center. Desde então, a metodologia começou a ser aplicada em pesquisas realizadas pela UFPR, relacionadas ao estresse em animais selvagens, incluindo trabalhos sobre fisiologia reprodutiva e estresse em lobos-guará, em parceria com SCBI, Instituto Pró-Carnívoros e CENAP-ICMBio.
Após a etapa inicial nos Estados Unidos, o projeto The Rhythm of Life (O Ritmo da Vida) – que conta com suporte da Medtronic Inc e Smithsonian Institute – passou a ser desenvolvido também no Brasil, integrando uma parceria entre o SCBI, UFPR e demais instituições. Como o monitor cardíaco salva a média da frequência cardíaca a cada 2 minutos, há uma quantidade imensa de dados (aproximadamente 4,5 milhões de valores de frequência cardíaca além de milhares de registros de eletrocardiograma), o que permite a participação de estudantes e colaboradores no estudo, ainda que remotamente, ativamente processando e analisando os dados gerados no SCBI.
Além de projetos de mestrado e doutorado do PPG Fisiologia da UFPR, a pesquisa também envolve participantes de iniciação científica e mestrandos de instituição de ensino nos Estados Unidos.
O próximo passo, em fase de planejamento, é colocar o implante em alguns lobos sob cuidados humanos no Brasil. “Primeiro, para comparar com os dados dos animais mantidos nos EUA, em clima muito diferente do Cerrado brasileiro. E, segundo, para que a equipe de brasileiros que irão participar do projeto com animais de vida livre tenha a oportunidade de realizar os procedimentos em condições mais controladas, antes de implantar o monitor cardíaco em lobos-guará a campo (em parceria com o CENAP-ICMBio e outras instituições brasileiras)”, explica a pesquisadora. A expectativa é que outras espécies também sejam incluídas nos estudos no Brasil, como um grupo de onças mantidas sob cuidados humanos.
Fonte: UFPR, adaptado pela equipe Cães&Gatos VET FOOD.
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