Um levantamento brasileiro inédito mostrou que o nível de estresse é um dos principais desafios para 93% dos médicos veterinários, sendo que para 72% deles é um problema crítico. Os dados, divulgados em 2023, são os primeiros passos para mapear a saúde mental desses profissionais. E os resultados corroboram com o que é percebido e discutido pela psicóloga e veterinária, Ingrid Atayde.
“Além de cuidar da clínica, de estudar, das longas horas dos plantões, eles ainda têm que fazer toda a gestão da clínica, toda a gestão de pessoas. Isso também tem um peso. Imagina arrumar tempo pra fazer tudo isso, depois acrescentar um esporte, ter bons hábitos, dormir bem, se alimentar bem… Então, por vezes, esse médico-veterinário descuida da própria saúde, incluindo a mental”, afirma a médica-veterinária, psicóloga, chefe do Setor de Comissões do CFMV e presidente da Comissão de Atenção à Saúde Mental dos Médicos-veterinários e Zootecnistas.
A psicóloga Bianca Gresele é a orientadora da pesquisa que ouviu 1.993 veterinários de animais de pequeno porte, entre 28 de junho e 26 de julho de 2022, de todas as regiões do País, através de um formulário online. Encomendado pela farmacêutica MSD Saúde Animal e conduzido pela Kynetec, o levantamento busca sanar a falta de informações sobre questões emocionais e desenvolver melhorias a qualidade de vida e condições de trabalho dos veterinários.
Outro fator relevado pelo estudo é que 50% dos respondentes trabalham mais horas do que gostariam, e 42% trabalham sempre ou frequentemente nos finais de semana, feriados ou à noite. Além disso, 84% desses profissionais se sentem ansiosos, deprimidos ou irritados. “O médico veterinário lida com muitos óbitos e ainda mais quando tem a situação da eutanásia”, detalha Ingrid Atayde.
Eutanásia é um dos momentos mais difíceis da profissão
A necessidade de realizar eutanásia é considerada um dos momentos mais difíceis da profissão para 74% dos veterinários ouvidos. A psicóloga Ingrid Atayde destaca que, apesar que haver um código de ética e indicações claras sobre a normalização do ato, a queixa é comum entre os profissionais por conta das decisões de alguns tutores.
“A eutanásia tem indicações claras e deve ser realizada quando realmente você não tem como proporcionar a esse animal uma qualidade mínima de vida com os recursos que se tem. Mas, muitas vezes, algumas pessoas querem fazer eutanásia por conveniências, por não querer seguir com o tratamento, seja pelo custo ou pelo tempo. Obviamente, dessa forma o veterinário não deve fazer, mas é um desgaste. É um procedimento que exige um preparo emocional”, destaca Ingrid Atayde.
Ingrid também destaca outra condição que acomete os profissionais: a constante preocupação com o sofrimento do outro. Os sintomas são semelhantes aos do burnout.
“O médico veterinário não pode omitir o socorro numa emergência, mas o que ele pode fazer é limitado porque também não pode assumir pra si a responsabilidade. Quando uma pessoa não pode pagar, quem acaba pagando é o veterinário, que faz mais do que ele poderia. E, então, ele entra num dilema: qual lado vai ficar desamparado? Se é o dele, se é o do animal, se é o do cliente”, explica a profissional, que é presidente da Comissão de Atenção à Saúde Mental dos Médicos Veterinários e Zootecnistas.
Relação entre animais e pessoas mudou e afetou os profissionais
Para Ingrid Atayde, a relação dos animais e as pessoas mudou bastante, formando o que chamamos hoje de famílias multiespécies. “Os pets já são tidos como membros da família. Essa proximidade traz uma cobrança maior da saúde desses animais”.
“Com isso, o medo de perder esses animais se torna ainda maior. E, quando há a perda, acaba descontando e transferindo toda a dor contra quem está atendendo. Às vezes, de forma inconsciente, mas isso é uma das coisas que tem pesado”, diz.
68% dos veterinários não fazem sessões de psicoterapia
Frente aos problemas emocionais, a pesquisa também destacou que 90% dos participantes diz acreditar que o tratamento voltado à saúde mental ajudaria na qualidade de vida. No entanto, 68% deles não fazem sessões de psicoterapia. “Nem todos os veterinários têm acesso à terapia. Além dos estigmas, a gente esbarra nos custo”, reflete a psicóloga.
Mitos
Ingrid reforça ainda que é importante estimular a construção de bancos de dados confiáveis para que possamos mapear a saúde mental dos profissionais e evitar informações inverídicas. Uma delas é a de uma pesquisa que apontava os veterinários como os profissionais que mais cometiam suicídio.
“O CFMV tem feito ações e campanhas pra mostrar o trabalho do médico-veterinário. A gente tem que ser reconhecido realmente como profissionais da saúde. Ter contratações adequadas com salários dignos. Tanto os próprios colegas que se contratam quanto nos concursos e serviços público”, destaca.
Quem foram os entrevistados da pesquisa?
Os entrevistados tinham de 25 a 65 anos, sendo 44% com idades entre 25 e 34 anos, e 30% entre 35 e 44 anos. Na divisão por gênero, 78% responderam feminino e 22% masculino. Na raça ou etnia, branca correspondeu a 76%, parda 19%, negra/afrodescendente 3% e asiática 2%. Sobre a renda média mensal, o valor variou de R$ 1.300 a R$ 16 mil.
Fonte: Diário do Nordeste, adaptado pela Equipe Cães e Gatos.
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