Você sabe a diferença entre um gato domiciliado, um gato feral e um gato em situação de rua? Sim, estamos falando de uma mesma espécie animal, cujo nome científico é “Felis catus”, o popular felino doméstico, no entanto, há algumas diferenças entre esses animais, principalmente sobre o modo de criação.
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A médica-veterinária, doutoranda em Políticas Públicas (UNIMA-AL), membro do Conselho Regional de Alagoas-CRMV-AL (Comissão de saúde pública) e conselheira do CFMV (Gestão 2024-2026), Evelynne Marques de Melo, aponta as principais diferenças:
Felino doméstico feral: É aquele que mantém preservado seu comportamento natural, ou seja, que sofreu pouca ou nenhuma influência da convivência com o homem, da convivência doméstica e dizemos que não foram domesticados. São felinos que, por várias razões, se reproduziram ainda que no ambiente urbano (ambiente doméstico), porém, distantes do convívio humano e aprenderam a sobreviver por meio de seu comportamento natural em caçar, se esconder em tocas, telhados, estruturas urbanas desabitadas e manter-se vivos independente do homem ofertando-lhes alimento, abrigo ou qualquer tipo de cuidado.
“Felino doméstico”: É essa mesma espécie de felino doméstico, contudo, é o que nos permite chamar de “pet”; é o que nasceu no ambiente e sob convívio humano e tem um comportamento adaptado ao contato com pessoas, moram no interior de residências, recebem cuidados médicos preventivos de doenças e são alimentados por meio da dependência humana. Eles não exercem seu comportamento natural de caçar para se alimentar, porque suas necessidades são supridas pelas pessoas do convívio.
Felinos em situação de rua: É a mesma espécie de felino doméstico, contudo, que vive à margem da convivência humana. São animais que, por várias razões, se reproduziram nos centros urbanos não habitando um domicílio, mas convivendo nas comunidades. São aqueles felinos que identificamos como “comunitários” ou “semidomiciliados”. Alguns foram abandonados propositalmente em endereços diferentes dos de sua origem, são animais sem um responsável formal por eles, pois vivem sob atenção de pessoas em uma rua, bairro, condomínio, campus universitário, por exemplo. São felinos que, normalmente, se permitem ser acessados e têm comportamentos mais amistosos do que os ferais.
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Agora, entendendo as diferenças entre esses animais e levando em consideração que, no Dia do Gato, já falam muito sobre os gatos domésticos ou semidomiciliados, este conteúdo foca nos felinos ferais. Evelynne informa que, mesmo que seja a vontade de muitas pessoas, felinos ferais adultos não devem ser submetidos ao convívio doméstico em residências. “Não devemos estimular adoção de felinos ferais adultos por razões óbvias de submetê-los a estresse pelo fato da privação da liberdade. Deixar de viver no meio ambiente, subir em árvores, caçar insetos, marcar seu território, assumir liderança em colônias de gatos urbanos de vida livre, tudo isso fará falta ao felino quando ‘por falsa sensação de proteção’ pessoas decidem retirá-los do cenário livre para mantê-los em residência”, alerta.
Segundo a veterinária, é até possível ter histórias de adaptação de sucesso para relatar, mas na maior parte dos casos, há, sobretudo, o adoecimento desses animais por meio do estresse causado pela mudança de ambiente.
Já que o ideal é deixar os gatos ferais adultos no ambiente que já estão acostumados, questiono a veterinária sobre a longevidade desses animais que vivem nas ruas comparada a dos felinos domésticos. A pesquisadora afirma que, em média, um felino feral de vida livre vive de três a quatro anos, enquanto um felino doméstico domiciliado vive, em média, 15 anos. “Isso se deve à qualidade de vida com segurança ambiental, prevenção de doenças por vacinas, por alimento selecionado e atenção à disposição para cada momento de alteração patológica. Além disso, (da ausência de assistência médica preventiva e curativa de doenças) na vida livre urbana, há o risco dos maus-tratos propositais e atropelamentos”, elenca.
Como vivem, do que se alimentam?
A profissional declara que alguns estudos mostram que os hábitos destes felinos se dividem em pequenos roedores e aves silvestres durante o dia e insetos à noite. “Em áreas insulares (ilhas), a predação de pequenas aves é algo certo no cardápio de felinos domésticos ferais ou de vida livre. Isso resulta em justificativa para ações de CED (Captura, Esterilização e Devolução), pois, quanto menos nascerem, menos desequilíbrio com a fauna silvestre local”, explica.
Estes animais, segundo Evelynne, em áreas urbanas e vivendo em liberdade, mantêm sua convivência em colônias. “Normalmente, há um macho dominante nas colônias. Eles impedem a entrada de novos machos no convívio. Estudos de CED já demonstraram que os machos castrados ainda mantém sua função de líder nas colônias”, indica.
Desafios de Saúde Pública
Enquanto muitas pessoas não se importam com o número desses felinos nas ruas, a realidade, por outro lado, aponta para diversos problemas. “Os felinos ferais em vida livre urbana estão em vulnerabilidade parasitária, uma vez que, no ambiente, estão os parasitas e os animais são parte do ciclo para algumas doenças. Sem prevenção, as doenças ocorrem no curso natural”, elucida.
Assim, o risco de desequilíbrio zoosanitário com esses animais e as pessoas existe quando estabelecemos contato próximo, seja compartilhando o mesmo solo que eles defecam e urinam, seja por tentar “resgatar” animais para levar ao convívio no domicílio. “Desse modo, lembramos da doença mais popular, que é a esporotricose”, cita.
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Evelynne ainda adiciona que o próprio vírus da raiva está em constante contato com felinos de áreas livres, uma vez que, acidentalmente, os felinos se tornam predadores de morcegos que encontram caídos ao chão. “Lembremos que morcegos portam naturalmente o vírus da raiva. Há trabalho de pesquisa evidenciando que os felinos têm contato não letal com o vírus da raiva, isso quer dizer que alguns felinos tem cicatriz imunológica, demonstrando que tiveram contato com o vírus e não adoeceram”, afirma.
Assim, a profissional acha válido sempre reforçar que “o gato no CED não é pet”. “Uma vez adulto livre, manter a liberdade. Somente filhotes podemos estimular uma socialização. Apesar do sonho popular de que cada animal deve ter um lar, devemos construir essa realidade por meio da redução de nascimento (castrando) para evitar que tenhamos tantos felinos em vida livre e, investir nas políticas públicas do reconhecimento do animal comunitário e da educação ambiental para a aceitação social dos animais na vida livre urbana com respeito até que atinja suas expectativas de vida, assim, tentarmos corrigir o que gerações anteriores não deram tanta importância em nosso Brasil. Não há lares para todos”, encerra.
FAQ
Qual é a diferença entre um felino doméstico, um felino feral e um felino de vida livre?
O felino doméstico é aquele que nasceu e vive sob convívio humano, recebendo alimentação, cuidados médicos e proteção. O felino feral mantém seu comportamento natural e tem pouca ou nenhuma interação com humanos, sobrevivendo por conta própria em áreas urbanas ou rurais. Já os felinos em situação de rua podem ser semidomiciliados ou comunitários, vivendo nas cidades sem um responsável formal, mas com alguma interação com humanos.
Felinos ferais adultos podem ser adotados e viver em um ambiente doméstico?
Não é recomendado adotar felinos ferais adultos, pois a mudança para um ambiente fechado pode causar estresse e problemas de saúde. Esses animais estão adaptados à vida livre, onde caçam, marcam território e interagem com outros gatos em colônias.
Por que a castração de felinos ferais é importante?
A castração por meio do método CED (Captura, Esterilização e Devolução) é essencial para controlar a população de felinos ferais e reduzir impactos na fauna silvestre. Além disso, a castração contribui para a saúde dos animais, prevenindo a reprodução descontrolada e ajudando a estabilizar colônias.
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