Durante a campanha Janeiro Branco, que fomenta sobre temas relacionados à saúde mental, estamos trazendo, aqui em nosso portal, algumas matérias focadas na saúde mental dos médicos-veterinários. Já abordamos o lançamento do livro “Saúde mental na Medicina Veterinária: Um olhar multidisciplinar” e um estudo também sobre a temática. Agora, será que os desafios enfrentados pelos profissionais brasileiros são os mesmos vividos por veterinários em outros países?
A médica-veterinária Daniele Brandão da Silva, que, hoje, atua como inspetora Sanitária de Carnes/Meat hygiene Inspector, no Reino Unido, percebe que os desafios relacionados à saúde mental dos veterinários no Brasil e no Reino Unido são distintos. “No Brasil, a sobrecarga de trabalho, a desvalorização da profissão e a dificuldade de acesso à especialização são fatores que geram grande insatisfação entre colegas, além da sensação de falta de reconhecimento, o que aumenta a desmotivação. Já no Reino Unido, apesar da profissão ser mais valorizada, o ambiente altamente competitivo e as exigentes jornadas de trabalho, além do isolamento profissional em algumas áreas, também geram estresse e esgotamento”, compara.
A profissional também traz um dado interessante: “De acordo com a Associação de Veterinários Britânicos (BVA), 50% dos veterinários registrados anualmente são estrangeiros. E os desafios começam na chegada: enfrentar o clima frio, a ausência de familiares e amigos, barreiras linguísticas, mudanças alimentares e, infelizmente, casos de racismo e intolerância religiosa”, compartilha.
Apesar de o Reino Unido depender da força de trabalho estrangeira, há certa resistência da população local em compreender ou apoiar imigrantes, segundo Daniele, levando muitos ao isolamento ou à formação de círculos sociais restritos a outros imigrantes. “No Brasil, embora faltem recursos e suporte institucional, vejo que existe maior acolhimento por parte dos tutores e uma colaboração mais espontânea entre colegas. Essa cultura empática ajuda a criar um ambiente de trabalho mais caloroso. Na minha experiência em ambas as realidades, estabelecer limites e objetivos claros além de construir uma sólida rede de apoio ajudam a lidar com as questões emocionais”, afirma.
Para ela, entrar para o Afrovet, onde a coletividade e representatividade são pilares, fortaleceu sua autoestima e abriu portas profissionais. “Acredito que a diversidade cultural apresenta desafios únicos, mas também oferece oportunidades valiosas de aprendizado, crescimento e apoio mútuo”, garante.
Suporte garantido?
Daniele revela que existem várias iniciativas e programas destinados a apoiar veterinários com estresse e burnout no Reino Unido. “Organizações como a British Veterinary Association (BVA) e a Vetlife oferecem suporte confidencial, aconselhamento e até assistência financeira para aqueles que precisam”, menciona.
O Vetlife Helpline é um serviço 24 horas que oferece suporte emocional de voluntários treinados, muitos deles com experiência na área Veterinária. “Campanhas como a Mind Matters que é liderada pelo colégio de médicos-veterinários do Reino Unido, focam em aumentar a conscientização sobre saúde mental e também fornece recursos para lidar com estresse e ansiedade. Além disso, é comum que as empresas britânicas ofereçam como benefícios programas de bem-estar físico e mental, horários de trabalho mais flexíveis e oportunidades de desenvolvimento profissional”, indica.
Em contrapartida, dentre as iniciativas brasileiras que vem se destacando, a profissional destaca o Ekôa Vet (Associação Brasileira em prol da Saúde Mental na Medicina Veterinária), que é formado por veterinários e psicólogos e promove conscientização e acessibilidade a cuidados com saúde mental exclusivamente para veterinários. “Alguns outros projetos de conscientização estão sendo elaborados pelos conselhos e demais associações, no entanto, acredito que uma dificuldade para tais projetos serem mais efetivos aqui é a abrangência (aliás estamos tratando de um país de proporções continentais), além de não contarmos com tantos recursos financeiros ou benefícios de bem-estar integrados nas empresas, como acontece no Reino Unido”, analisa.
Mas, apesar de o Reino Unido contar com esses programas mais focados em ajudar veterinários em situações emocionais, Daniele acredita que tanto lá quanto aqui, embora haja este esforço teórico direcionado ao tema, poucos empregadores realmente abordam o assunto de forma prática com seus profissionais. “Muitos dos programas acabam ficando no campo das boas intenções, com poucas ações concretas no dia a dia dos veterinários”, denuncia.
Seguir bons exemplos!
A profissional acredita que, em solos brasileiros, é essencial, primeiramente, transformar o prestígio da profissão em reconhecimento real com salários justos e jornadas adequadas. “Além disso, infelizmente, já vivi a perda de colegas durante a graduação e no exercício da profissão, então, acredito que implementar serviços de apoio psicológico 24 horas específicos para veterinários é primordial, como a Vetlife Helpline. Embora o CVV ofereça suporte psicológico e prevenção ao suicídio, não é exclusivo para a profissão. Considerando as altas taxas de suicídio entre veterinários, sendo que homens têm o dobro e mulheres 3,5 vezes mais chance de suicidar-se que a população geral, segundo o CDC dos EUA, essa medida seria crucial”, destaca.
Ela nos conta que a Medicina Veterinária é muito prestigiada em países como o Reino Unido, com salários e planos de carreira que se assemelham ao da Medicina Humana. “No Brasil, a Medicina Veterinária, Medicina e Engenharia lideram a lista de profissões dos sonhos que os pais desejam para seus filhos. Tal expectativa, na maioria dos casos, não dura nem até o fim da graduação, pois não reflete a realidade do mercado de trabalho, o que gera muita frustração de profissionais veterinários e de suas famílias”, observa.
Assim, a veterinária acredita que o panorama no Brasil é promissor, com mais discussões sobre tópicos sensíveis na profissão. “Com esforços conjuntos para levantar dados e criar políticas que melhorem as condições de trabalho, as estratégias de suporte psicológico tendem a se consolidar e se tornar mais eficazes”, pondera.
Experiência pessoal
Apesar de alguns fatores serem positivos na vivência enquanto veterinária no Reino Unido, a experiência de Daniele no país é mista. “Recentemente, sofri um episódio de racismo, o que reforçou como estar longe da rede de apoio pode ser desafiador. Trabalhando na indústria de alimentos, percebo pouco interesse dos locais em acolher imigrantes. Enquanto isso, colegas em clínicas relatam ambientes mais amigáveis, mas ainda com alta pressão por excelência, como ameaças de processos legais e competição entre a equipe de veterinários”, relata.
Ela declara que buscou, a todo o momento, manter-se focada eu seu objetivo, aproveitar os momentos de lazer e desenvolver relações que a compreendiam e a apoiavam. “Meu conselho para quem deseja atuar no Reino Unido é preparar-se bem, pesquisar empregadores que valorizem a saúde mental e priorizar ambientes acolhedores. Criar uma rede de apoio e equilibrar vida pessoal e profissional são essenciais para manter o bem-estar em qualquer experiência fora do país”, encerra.
FAQ
Quais as principais diferenças entre os desafios enfrentados por veterinários no Brasil e no Reino Unido?
No Brasil, os desafios incluem sobrecarga de trabalho, desvalorização da profissão e dificuldade de acesso à especialização, enquanto no Reino Unido, os veterinários enfrentam alta competitividade, jornadas exaustivas e isolamento profissional em algumas áreas, apesar de maior valorização da profissão.
Existem iniciativas de apoio à saúde mental para veterinários no Reino Unido e no Brasil?
No Reino Unido, existem programas como o Vetlife Helpline, que oferece suporte 24 horas, e campanhas como a Mind Matters, focadas em conscientização e suporte emocional. No Brasil, a Ekôa Vet se destaca por promover cuidados com a saúde mental voltados exclusivamente para veterinários, mas enfrenta desafios de abrangência e recursos limitados.
Quais medidas poderiam melhorar a saúde mental dos veterinários no Brasil?
Implementar salários justos, jornadas de trabalho adequadas e serviços de apoio psicológico exclusivos para veterinários, como um Helpline 24 horas, seriam medidas cruciais. Além disso, discutir mais abertamente temas sensíveis e criar políticas de suporte poderiam melhorar as condições de trabalho e reduzir o impacto emocional na profissão.
LEIA TAMBÉM:
Solistica contribui para o crescimento do mercado pet com inovação logística
CBNA obtém reconhecimento para conceder Título de Especialista em Nutrição de cães e gatos
CRMV-PR fiscaliza distribuidoras de medicamentos veterinários controlados no PR